Governo espanhol 'rouba' imagem de modelo com perna mecânica e edita foto Imagem foi usada em campanha publicitária incentivando a positividade sobre corpos.
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Transcrição
Jess: Sejam todos muito bem-vindos ao Piranhas cast, o podcast das Piranhas com deficiência, eu sou a Jéssica Fontoura!
Beto: Eu sou Beto Maia!
Zé: Eu sou Zé Felipe!
Jess: E esse é mais um episódio drops, onde a gente vai falar sobre algo que permeou as nossas existências nos últimos dias, e hoje o assunto infelizmente não é nada positivo. A gente vai falar sobre body shaming e o Capacitismo sobre o corpo de pessoas com Deficiências. E aí Beto, o que que rolou?
Beto: Então, o governo espanhol foi fazer uma campanha "maravilhosa" sobre aceitação de todos os corpos, com uma campanha pro verão: "o verão também é nosso". E muito na questão da imagem feminina, porque é onde mais rola essa questão do body shaming. E ele pegou ali, algumas fotos e fez uma montagem, tipo uma aquarela, e eles pegaram a foto de uma mulher mastectomizada, pessoas gordas, pessoas pretas, e tem uma moça ali no canto da foto, fazendo um leve joinha ali, que quando percebeu se que a foto original trata-se de uma pessoa com deficiência, ela é amputada de uma perna e na foto eles fizeram uma montagem de muito mal gosto, que colocaram a perna dela de volta. Mas eu achei que a campanha era sobre aceitação, né?
Jess: Aceitação seletiva, né?!
Zé: Exatamente!
Beto: É incrível como o corpo da pessoa com deficiência ele sempre tá na ponta, da ponta, lá né?! Tipo… ah… Aceitamos tudo aqui! Mas a pessoa com deficiência… "Hmm, não! Disfarça ali pra não ficar muito feio."
Jess: O quão contraditório é, né? Justamente isso! O fato de ser essa campanha de empoderamento dos corpos, porque que só o corpo com deficiência precisa ser modificado, e precisa ser, passar por essa "releitura", entre aspas, pela visão de uma pessoa sem Deficiência?
Beto: É, muito provavelmente, parece que ninguém nessa equipe era uma pessoa com deficiência, para dar uma freiada, tipo: "gente, acho que isso não tá legal", sabe?!
Zé: Mas não precisava nem ser uma pessoa com deficiência, bastava pensar um pouquinho, tipo… não é uma campanha de aceitação dos corpos?
Beto: Eu vou até reformular: parece que não tinha ninguém com o mínimo de bom senso, ali, pra dizer: "gente, tá errado!"
Jess: É! A coesão ficou em falta!
Zé: Exatamente!
Zé: Eu não entendo, tipo era uma coisa que eu fiquei pensando, no contexto em que a gente tá vivendo hoje em dia, em que tudo é descoberto, não tem como esconder um negócio desse, ninguém pensou, tipo: "Hmm, vai dar merda"?
Jess: Pois, é! E ainda bem que deu, né? Antigamente, até um tempo atrás, se esse tipo de coisa acontecesse, talvez a gente nem ficasse sabendo, passasse despercebido. Hoje em dia, graças a internet, a gente consegue ter acesso a essas coisas, a gente consegue ver a modelo se pronunciando, denunciando. A gente consegue chegar nas pessoas e descobrir as verdades, né?
Beto: É! E a gente só ficou sabendo disso ainda porque a foto foi usada sem autorização dela.
Zé: Só piora!
Jess: Pior ainda! É literalmente roubando a imagem. Tu rouba a imagem da pessoa e ainda modifica a pessoa.
Zé: Meio que parece que tipo… sabe… "conserta" a pessoa, tipo: "ah isso aqui não está bom não! Vamos lá consertar!"
Jess: Hunrum! "Quero usar só a essência disso aqui, mas eu vou deixar do meu jeito". Sempre objetificando isso, né? Objetificando a pessoa.
Beto: E eu não consigo… Eu vou até fazer esse paralelo de novo, que foi a questão da Vogue em 2016, com as paraolimpíadas, usaram o Paulinho Vilhena e a Cléo Pires, que eles foram "Photoshopados" para serem pessoas com Deficiências. E aquilo ali foi a chamada do ensaio, foram os dois Photoshop, ali, fazendo um cripface, numa relação, cripface tá para a pessoa com deficiência assim como black face ta para a pessoa negra, né? Mantendo cada um na sua proporção, obviamente! Mas é uma coisa correlata e que acontece. E a pessoa com deficiência não era boa para estampar a capa do ensaio, as pessoas apareceram nas outras fotos no ensaio, mas o destaque mesmo, ficou para pessoas "Photoshopadas". Mas porque?
Zé: Tipo, como se a pessoa com deficiência não fosse chamar tanta atenção quanto a Cléo Pires e o outro rapaz lá.
Beto: E falaram que a campanha era tipo numa vibe tipo assim: se a Cléo Pires e o Paulinho Vilhena fossem pessoas com deficiência eles ainda sim seriam famosos? E não sei o que… Que bom que vocês só estão reforçando o Capacitismo, né?
Jess: Exato! E é esse tipo de retrato da deficiência através dos olhos de pessoas sem deficiência que acabam criando dores e cicatrizes que as pessoas não tem a menor noção que criam. É uma pessoa amputada por exemplo, olhar para aquela imagem, imaginem uma criança amputada olhar para aquela imagem sendo recolocado uma perna ali, para que aquela imagem fique "perfeita", entre aspas. Essa criança vai crescer com essa imagem de que ela não é perfeita por causa disso. Então é essas dores que vão criando na mente, realmente, psicologicamente nas pessoas com deficiência, porque a gente cresce ouvindo que pessoas com deficiência são incompletas, são incapazes. E aí quando esse tipo de coisa acontece, para nós que já passamos muito por isso, a gente consegue imaginar a dor de pessoas que ainda não tem o empoderamento que a gente tem, por exemplo.
Beto: Eu vejo muito, eu gosto muito de perceber essa questão de representatividade de corpos. Vou citar aqui a Mariana Torquato, que ela já conheceu fãs que tem a mesma deficiência que ela, que é amputada de um braço, e quanto que ela vê o brilho no olhar da criança quando vê ela, uma outra pessoa que tem uma deficiência similar, né? O quanto isso importa para uma criança.
Zé: Sim! Eu acho que com o Deives também também rolou algo parecido.
Beto: Sim!
Zé: Com um menino com Deficiência também, coisa mais fofa!
Jess: Sim! Por outro lado a gente tem grandes artistas que escondem a sua Deficiência até não poder mais, todo mundo já sabe que é uma pessoa com deficiência…
Zé: "Roberto Carlos" (em meio a uma leve crise de tosse)
Jess: Pisca na tela
(Risos)
Jess: Todo mundo sabe…
Beto: Hehehe São tantas emoções que eu escondo
(Risos)
Jess: Pois é, mas ele esconde, porque? Porque provavelmente ele tenha vergonha, ele não goste de falar sobre isso, e isso é muito ruim, porque ele poderia usar sua visibilidade, não que ele fosse obrigado a falar sobre isso, isso não precisa se tornar uma questão. Porque aí a gente volta para esse ponto de pessoas com deficiência não são apenas suas deficiências. Mas olha a tremenda visibilidade que ele tem hoje em dia, se ele chegasse e falasse: "pois é, eu sou uma pessoa com deficiência". O impacto que isso teria para tantas pessoas se identificando com ele, tipo: Eu posso chegar lá também.
Beto: É o rei, né?!
Jess: É o rei!
Zé: Exato!
Beto: Acho que o caso do Roberto Carlos é um caso bem específico, por causa da época em que ele veio, o quanto que isso não deveria ser cobrado, talvez até de quem produzia, para ele esconder. E o quanto que isso foi internalizado, e ele não gosta de falar dessa questão de forma alguma. Eu gostaria de ter referências assim na música, porque querendo ou não ele escreve e canta muito! Então…
Jess: Pois é!
Zé: Exatamente!
Zé: Teve um caso que eu vi um dia, que não tem muito a ver com corpos, mas sim com deficiência no geral. Um caso de uma mãe que postou na rede social de dancinhas no dia da pessoa autista, o filho dela e tudo mais nas redes sociais, falando que ele era um menino autista, e aí o pai da criança, que pelo que eu entendi do contexto, nem dava atenção para o menino, ficou fulo da vida porque todo mundo ficou sabendo que o filho dele era autista.
Jess: Meu Deus!
Beto: E precisa ficar escondido? É um problema?
Jess: Aquela mentalidade de: bota a criança escondida e ninguém fica sabendo.
Beto: É!
Zé: Exatamente!
Zé: Eu vi na rede social de dancinhas o áudio que a mãe postou e o áudio do rapaz era surreal!
Beto: Eu fico aqui me perguntando, não sei vocês, mas, em algum momento a gente já teve de sair do armário da deficiência?
Jess: Sim!
Zé: Sim!
Beto: Porque eu fico imaginando que a gente não teve aquela conversa com pai e mãe, tipo, sentava um do lado do outro e falava: "então, pai, mãe…" eu no auge dos 27 anos, que deve ter acontecido. "Pai, mãe, então… eu sou uma pessoa amputada". "Na minha casa não! Na minha casa isso não vai acontecer!"
Jess: "Como é que eu vou explicar pros outros?"
Beto: "Eu não criei filho para ser amputado"
(Risos)
Beto: "O que vão falar na rua?"
Beto: Sério, eu fiquei imaginando coisa dessa vibe. Vamos montar uma esquete disso!
Jess: Vamos lá! Vamos debater sobre!
(Risos)
Beto: Porque exemplos como esse que a gente trouxe logo de cara, da modelo, coloca a gente numa posição que parece que a gente realmente tem que sair de um armário. Tipo: eu vou esconder o máximo que eu puder aqui, porque às vezes isso já me custou empregos, de eu não poder ir trabalhar em tal empresa por ser uma pessoa com deficiência, isso já me aconteceu, inclusive! Mas porque? A custo de que? Não faz muito sentido eu ter que me esconder, e eu ter uma dificuldade muito grande de me entender enquanto pessoa com deficiência.
Jess: Sim! Sendo que o problema não é na tua relação com a sua deficiência, é em como as pessoas vão enfrentar a sua deficiência, e não deveria ser assim.
Zé: É muito absurdo, outro dia eu tava pensando porque eu não sou muito de tirar fotos sem camisa, e aí outro dia eu aproveitei e tirei e mandei para uma pessoa. E aí tipo, com aquela sensação: "ele não vai achar bonito, não vai rolar". E sabe, dói! Porque a gente fica com uma insegurança de mostrar como a gente é! E aí a gente vê num exemplo desse da modelo, como que ela é uma pessoa com deficiência, mas a sociedade enxerga que ela precisa ser "modificada" para ficar bonita.
Jess: Sim!
Beto: Ou seja, algum tipo de "correção" ali.
Jess: E mesmo assim com o tempo, as pessoas comecem a enxergar ela bonita, "apesar da deficiência"
Beto: É! Aí dói!
Jess: "Ai, ela é linda mesmo que não tenha uma das pernas, ela é linda! Cê viu só?! Que superação!"
Zé: "Tu é tão bonito, nem parece que é cadeirante".
Jess: Pois é! Olha só que incrível!
Zé: Já ouvi isso, eu fiquei sem saber se eu agradecia ou se eu falava desculpa.
Jess: Bom! Lançamos aqui a importância sobre a gente falar sobre isso, body shaming e Capacitismo é crime! Então, se algum momento você se deparar com algum tipo de descriminação, algum tipo de crítica sobre o seu corpo com deficiência, lembre-se de que você não está errado em existir, o seu corpo é perfeito do jeito que é! E talvez você tenha que entender o seu tempo de aceitação, mas nunca deixe alguém te dizer nada sobre o seu corpo, seu corpo é seu! Apenas seu!
Jess: Muito obrigado a você que nos ouviu até aqui e esse foi mais um episódio do drops do Piranhas cast. Eu sou @acromatajess em todas as redes!
Beto: Eu sou @betomaiafilho em todas as redes!
Zé: Eu sou @zefellipee, com 2 L e 2 E no final, também em todas as redes!
Jess: Isso aí! Você também pode acompanhar o @piranhascast em todas as redes e entrar em apoia.se/piranhas para ser um dos nossos apoiadores a partir de qualquer valor por mês, você já pode ajudar a manter esse projeto no ar.
Beto: O podcast é um oferecimento do Vale PCD, toda transcrição está em valepcd.com.br
Jess: Perfeito! Nos vemos nos próximos episódios! Um grande beijo! Tchau!
Beto! Beijo!
Zé: Tchau!